Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”

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Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”. Encuentro. Madrid (2009). 454 págs.

     Quando tomei conhecimento de que sairia às telas um filme sobre Hannah Arendt, fui direto na minha biblioteca e resgatei este livro. Tinha-o comprado um par de anos atrás, mas repousava na estante à espera da ocasião propícia. Sabendo da polêmica vida e obra da escritora, prometi a mim mesmo não assistir o filme sem antes mergulhar na leitura deste livro. Foi um acerto.

     O livro é um ensaio primoroso onde a vida e a obra de Hannah Arendt se misturam. Quer dizer, a autora os combina de modo que os escritos explicam a vida da pensadora, e vice-versa. E parece que chega a mesclar-se ela própria, a autora do livro; opinião que pensei ser minha, mas comprovo que tem apoio no prólogo do Professor Llano –sempre claro e preciso- que sugere uma verdadeira simbiose entre Hannah e Teresa. Quer dizer, alguém que escreve sobre um tema –melhor, sobre uma pessoa!- com a que tem muita intimidade, profundo conhecimento.

     Hannah Arendt, uma pensadora que não gostava de ser chamada filósofa. Estudante de filosofia, amante do seu professor –Heidegger- , de quem se distancia porque “a exigência de absoluto de toda paixão, atrofia os órgãos preceptores da novidade”. Elabora sua tese doutoral acerca do conceito de amor em Santo Agostinho, sob a direção de Karl Jaspers. Judia que militou na imprensa pro semita colaborando com Kurt Blumenfeld; fugida da Alemanha nazista, e posteriormente emigrada para Estados Unidos onde viveu o resto da sua vida, já com o seu marido, também professor, Heinrich Blucher.

     O casal reúne na sua casa pessoas que buscam o dialogo, a “tribo” como eles mesmos as denominavam. Walter Benjamin, Hans Jonas, Mary McCarthy. E poetas, pintores, escritores, filósofos, artistas, intelectuais num enriquecimento constante do casal. Lembrei, neste ponto, daquela situação análoga que Raissa Maritain descreve em “As grandes amizades”. A cultura, o desejo de saber, é genuinamente transitivo: tem de ser compartilhado, enriquece-se com a opinião dos outros, e por isso busca ser transmitido em conversas, aulas, por escrito. Uma importante diferença entre a cultura e a simples erudição, massagem infecunda do ego. A amizade, encaminhada ao diálogo, foi o melhor motor para compreender a realidade e expressá-la por escrito, Não é possível entender a vida, profissão e a obra de Hannah Arendt se não se leva em conta a relação com os amigos, com o seu próprio marido. Uma amiga apaixonada e ansiosa, que abria a sua casa para todos. “Tua casa é como um ímã”, dizia-lhe Mary McCarthy.

     Estabeleceu uma linha divisória entre a filosofia considerada como conhecimento teórico, e o pensamento concebido como fonte da compreensão. Criticou os pensadores profissionais, que se fechavam nos seus círculos pensantes, distantes da realidade. Aponta o sábio como paradigma: uma figura que não tinha encontrado nas aulas dos filósofos teóricos. Despedia-se da filosofia profissional para buscar uma filosofia prática “Buscar um modelo de pensador que não seja profissional, que una nas sua pessoa as duas paixões aparentemente contrárias: o pensamento e a ação, não porque esteja ansioso por aplicar seus pensamentos ou por sentir a necessidade de elaborar pautas teóricas para seu comportamento, mas porque sente-se à vontade, em casa, em ambos os terrenos, e move-se de um para outro com liberdade, assim como nós vamos das experiências que o mundo nos proporciona até a atitude de refletir sobre elas. Lembremos de um pensador que nunca quis ser um gênio nem o conselheiro dos poderosos, mas que soube humildemente ser um homem entre os homens, que não evitou a praça pública, que foi cidadão entre os cidadãos, e que nunca fez nada a não ser o que qualquer cidadão tem o direito de ser e fazer. Estou falando de Sócrates”.

     Distingue os filósofos que convertem o pensamento em profissão, e outros que, como ela, convertem o pensamento em modo de vida. Pensar, julgar, analisar não podem desligar-se do viver: a existência e o pensamento se nutrem mutuamente. “Penso que não é possível nenhum processo de pensamento sem a experiência pessoal” Quer empenhar a vida em unir o âmbito da contemplação com o da ação. Mediante a ação e o discurso os homens mostram quem são, revelam sua única e pessoal identidade, e aparecem no mundo humano.

     A vida de Hannah avança aos empurrões pela necessidade da compreensão vital, sempre blindada de uma absoluta independência. De ai nasce o amor mundi que lhe faz transcender o ódio totalitário e os contratempos, e a absorve numa esperança inquebrantável na ação humana. Se o motor intelectual de Arendt se alimentava do afã de compreender, a matéria prima que a fazia progredir era a ação humana. Dai surge a sua ação politica, como encarnação prática do seu pensamento na ação. Uma ação política que se compõe da busca da felicidade, do libre arbítrio, do amor e do pensamento; completamente distante da nossa realidade política relacionada com a demagogia, intercâmbios de poder, dinheiro e informação. Política que supõe que cidadãos se façam cargo da coisa publica no lugar que ocupam na sociedade, sem esperar que esta responsabilidade que assumem lhes traga benefícios pessoais em termos de riqueza ou de poder.

     O afã de compreender, “o fascínio da compreensão” como aponta o título deste livro, e também o impulso que a leva a escrever. Escreve para compreender melhor: “Se lembrasse de tudo o que tenho pensado, talvez não teria escrito nada. Mas, escrevo, para desenvolver melhor o processo do meu próprio pensamento, e me sinto satisfeita ainda mais se consigo exprimi-lo adequadamente na minha escritura”.

     Nesse marco de fundo, nascem suas obras: As origens do totalitarismo, uma reflexão sobre como é possível que aconteçam as catástrofes sociais que assolaram Europa, amparadas pelo racismo, pelo imperialismo, pelo antissemitismo. Depois A Condição Humana, (Amor Mundi), que discursa sobre as condições para uma convivência pacífica e de como pode o homem habitar dignamente o mundo. Não é sobre a natureza humana, mas sobre as condições em que o homem pode viver como ser humano. Não só viver –coisa que os animais fazem- mas habitar, que é um viver humanizado. “A pluralidade dos homens é a paradoxal pluralidade de seres únicos”

     O conceito da natalidade apontado pela autora é aspecto inovador no pensamento de Arendt. Em cada nascimento algo singularmente único entra no mundo. A unicidade que posiciona o homem para a ação como atualização permanente da natalidade. O homem é capaz de restaurara o passado com o perdão, de sobreviver à incerteza do futuro com a promessa, sendo chamado à ação presente que implica reflexão sobre a experiência vivida. Uma nova categoria, a natalidade. Se Heidegger falava do ser para a morte, Arendt apoia-se na fonte de vida: “A natalidade e não a mortalidade pode ser a categoria central do pensamento político”. Otimismo, sim; mas realista.

     As polêmicas com seu próprio povo, os Judeus, que se ampliariam posteriormente, já são iniciadas em As origens do totalitarismo onde aponta os defeitos sociais dos judeus: o eterno sentir-se vítima, uma coleção de direitos nem sempre proporcionais aos deveres, a incapacidade de integrar-se em comunidades outras. Lembra que o povo judeu é o único povo europeu não nacional. E se nega a identificar-se com a política judia e o sionismo oficial que trata de estabelecer uma comunidade política por via nacionalista, e pela sua atitude com a população árabe a quem obrigava a assumir uma condição marginal. A questão Palestina –onde pessoas estavam sendo despojadas da sua terra- aparece também. “Não matarás. Nem mesmo crianças ou mulheres árabes. Não quero saber mais nada da política judia” – afirma de modo contundente.

     O tema da reflexão –no esforço por compreender, no diálogo interior consigo mesmo- é outro dos pontos relevantes no pensamento de Arendt. A reflexão requer solidão, que não é o mesmo que o isolamento. “Se podemos resistir à solidão, suportando a companhia de nós mesmos, então conseguiremos suportar a companhia dos outros. Quem não suporta os outros, provavelmente não se suporta a si mesmo”. Para cada coisa que fazemos encontramos centenas de desculpas, e acabamos acreditando nelas. Dai a crítica ao psicanálise que busca uma desculpa não para o que fazemos mas para o que somos: tentar que as circunstâncias expliquem e desculpem o que somos, livrar-nos desta responsabilidade interior. Não se pode misturar o que fazemos –que tem conserto- com o que somos!

     A densidade do seu pensamento politico e social, e as consequência que se derivam da falta de reflexão, surgem com clareza na sua obra: “Eichmann em Jerusalém: A banalidade do mal” . Comprova que Eichmann não era um ser diabólico, mas um cidadão irreflexivo. O negar-se a pensar até chegar às consequências finais transformou-o num funcionário irreflexivo capaz de cometer crimes monstruosos. Esta irreflexão que alcança até os líderes judeus que de algum modo colaboraram com os nazistas, acarretou-lhe respostas hostis do mundo judeu, como se estivesse negando o holocausto, e traindo o povo judeu. “A controvérsia foi porque ataquei a burocracia . E a burocracia sempre se defende e tenta te anular”. E falando de Eichmann: “O que me impressionou dele era sua manifesta superficialidade. Os atos foram monstruosos, mas o agente –pelo menos naquele momento- era comum, não demoníaco, nem monstruoso.
Sem convicções ideológicas, nem motivos malignos. Não era também estupidez, mas a incapacidade de pensar”.

     E depois, citando Shakespeare em Ricardo III: “O homem, o assassino, que vive bem porque nunca inicia esse diálogo silencioso e solitário que denominamos pensar. Não é uma questão de maldade ou de estupidez. Quem desconhece essa relação silenciosa do eu consigo mesmo, não lhe preocupa contradizer-se, e nunca será capaz de dar conta do que diz ou faz; não lhe preocupa qualquer delito, porque sabe que será esquecido no momento seguinte. Como diz Aristóteles: as pessoas más não estão cheias de remorsos. É o fenômeno que se espalha na modernidade: a tendência a não julgar em absoluto. À margem da incapacidade para escolher os exemplos e de relacionar-se com os demais através do juízo, emerge o verdadeiro obstáculo que ampara a banalidade do mal”.

     Hannah Arendt investiu muitas horas na docência universitária –aulas sempre concorridas- mas balizou sempre uma absoluta independência do sistema, com quem tinha notáveis diferenças. “A nova função humanística da Universidade do ponto de vista político: ser uma instancia de imparcialidade sem outros interesses. De vez em quando teríamos de tratar com os intelectuais para reparar onde nunca temos de chegar. A comunidade de conhecimento entre professor e aluno deixou de existir. Contratam-se pessoas não porque sejam capazes de aumentar o conhecimento mas porque é preciso ter professores. A pesquisa é hipócrita, supérflua, e irrelevante para o conhecimento e para o trabalho. O ‘publica ou morre’ foi no início algo cómico, vulgar; hoje é um claro perigo para qualquer esforço sério”.

     Uma pensadora apaixonada, enamorada da capacidade política do homem em quem constata como uma “existência burocratizada” o arrasta para a mediocridade. Tinha vergonha de falar em público e pedia orientação nas suas falas. Otimista e coerente “A confiança não é uma ilusão vazia. É a única coisa que é capaz de nos assegurar que o nosso mundo não é um inferno. A fidelidade à consciência é o melhor premio; renegar de si mesmo, o pior castigo”. E intensamente feminina, oposta ao feminismo de moda: “As moças de hoje enfrentam momentos difíceis, porque não querem refletir sobre todas estas questões relativas à mulher que foram deformadas pelo feminismo. Tudo isto volta a estar de moda por aqui (USA). E quando as mulheres te perguntam como fazer para continuar sendo queridas pelos homens e respondes que cozinhando bem, e que o trabalho não desmerece, ficam pasmadas”.

     No final da leitura –que pediria um bis, para compreender ainda melhor, seguindo os conselhos da própria Hannah Arendt- os conceitos ficam desenhados com traços subtis embora intensos, como numa pintura impressionista. As palavras da pensadora servem como um bom resumo: “Admito que estou interessada em compreender. Admito que há pessoas que estão interessadas em fazer algo. Eu não, eu posso viver perfeitamente sem fazer nada. Mas não posso viver sem tratar de compreender o que ocorre. Não conheço outra reconciliação a não ser o pensamento. A compreensão é como a outra face da ação”. Uma compreensão que nos constrói, nos humaniza, nos leva a sair em busca dos outros, a genuína ação social e política proposta por Arendt. Somente o pensamento que se abre aos outros, é digno de um humanista. Assim anota Hannah na homenagem a Jaspers: “A Humanitas nunca se alcança na solidão, mas somente quem aventura no domínio público sua vida e sua pessoa”.

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