Alberto Manguel: “Una Historia de la Lectura”.

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Alberto Manguel: “Una Historia de la Lectura”. Alianza Editorial. Madrid. 1998. 397 pgs.

 

Tinham me falado deste livro com grande entusiasmo. Demorei anos em tirá-lo da prateleira. Não é um manual de como ler um livro, mas sim uma avalanche de informações, sensações, percepções de um autor que transpira erudição. Não é um livro fácil de ler, até porque é difícil entender a atitude requerida para situar-se diante dele. Não é ficção nem romance; mas também não corresponde a um livro de análise literária. Aproximar-se-ia de uma memória pouco ordenada das leituras do autor o que, convenhamos, nem sempre é fácil de acompanhar em sintonia.

“Os leitores de livro, uma família à qual estava me incorporando. Lemos para entender, ou para começar a entender. Não temos outro remédio a não ser ler. Ler é, quase como respirar, uma função essencial”. Assim inicia Manguel seu relato biográfico, que transita por Israel, Argentina e finalmente Canadá onde reside. Vale dizer que o original deste livro foi escrito em inglês, o que me surpreendeu num argentino de família judaica.

Os registros e descrições do livro são variados e multicolores. Fala-se da leitura precoce, na infância, advertindo que o recebido nessa primeira idade e está relacionado com a vida, proporciona uma perspectiva vital. Segue-se um capítulo sobre a leitura em silêncio e descobrimos que nem sempre foi assim. Narra-se a surpresa de Sto. Agostinho quando vê o seu mestre Ambrosio ler: “seus olhos percorriam as páginas e o seu coração penetrava o sentido, mas sua voz e sua língua descansavam”.

Agostinho, grande leitor e fecundíssimo escritor, aparece várias vezes na história da leitura. Desde o momento da sua conversão –tolle, lege– (a voz infantil que lhe impele a ler), até um suposto diálogo que Petrarca imagina ter com ele, advertindo-lhe sobre um uso proveitoso da leitura: “Se fazes uma séria de anotações no local oportuno, poderás gozar facilmente do fruto das tuas leituras…. Que anotações te referes? ….. Quando leias um livro e tropeces com um fragmento que te comova ou deleite, não confies no poder da tua inteligência, mas força-te a aprendê-lo de memória, e medita o seu conteúdo. Assinala com nitidez as passagens úteis, para ajudar a tua memória, pois do contrário sairão voando”. Gostei de passagem, e confirmei a minha própria metodologia quando leio qualquer livro: um ponto na margem, o número da página anotada num papel (nunca uso marcador de livros, mas papel em branco por este motivo) e um trabalho extra no final para tomar nota do que me chamou a atenção.

Justo é reconhecer que entre toda esta profusão erudita de informações aprendi muitas coisas novas. Por exemplo: Os papiros, fabricados no Egito em tempo de Ptolomeu, que proibiu a exportação do material para que ninguém pudesse conhecer o sistema de fabricação. Foi assim como Eumenes, soberano de Pérgamo, viu-se obrigado a encontrar um novo material: desse modo surgiram os pergaminhos. Ou também, as histórias de leitura em voz alta que nos levam até Cuba, onde os trabalhadores escutavam alguém lendo enquanto embrulhavam o tabaco. Gostaram tanto de um dos romances -O Conde de Montecristo- que decidiram escrever para Alexandre Dumas e pedir autorização para colocar o nome nos charutos: são os famosos Montecristo. E ainda, a leitura na cama, como uma variante secreta de intimidade, que nos conduz até o sarcófago de Leonor de Aquitânia, a rainha esposa de Henrique II, e mãe de Ricardo Coração de Leão, onde se representa sua imagem deitada com um livro nas mãos, lendo.

As imagens para os iletrados onde o livro é representado em imagens nas paredes e vitrais das catedrais é assunto que já conhecia, mas ao ler aqui lembrei de uma viagem recente à Rússia, e dos mosaicos e vitrais nas catedrais de St. Petersburgo (S. Isaac, O Sangue Derramado), que são uma catequese pictórica impressionante.

Não podia faltar nesta viagem de leitura a presença do ourives que inventa a imprensa: Gutenberg, em 1440. Manguel adverte que esse fato faz com que o estimulo de ler cresça, aumente a alfabetização, e as pessoas passam a ler não somente letra impressa, mas também os manuscritos que anteriormente não liam. Um fenômeno análogo ao que podemos ver hoje: os meios eletrônicos podem despertar o gosto pela leitura, e as pessoas leem mais, e não apenas no computador.

Que livros ler e quando? Tema espinhoso que também é abordado por Manguel, também em avalanche de lembranças. “Nunca volvemos ao mesmo livro, nem à mesma página, porque mudamos nós, muda o livro, nossas lembranças resplandecem nas diferentes etapas da nossa vida. Algumas escurecem, outras brilham de novo, nunca sabemos exatamente o que é aprendemos, o que esquecemos, e o que recordaremos” (..) Com o tempo reparamos que algumas leituras eram melhores do que outras: mais informadas, mais lúcidas, mas estimulantes, mais perturbadoras”. E citando Kafka anota: “A gente lê para fazer perguntas. Deveríamos ler somente os livros que nos mordem e nos perturbam”.

As orientações sobre a leitura encontram-se espalhadas ao longo do texto. Seguindo a metodologia que Agostinho recomendava a Petrarca consegui ir juntando várias delas, que aqui aglutino. Uma importante advertência é não se deixar formatar pelas “categorias ou classes” de livros: “As categorias são exclusivas; a leitura não. Seja qual for a classificação em que um livro possa se encontrar numa biblioteca, o que acaba tiranizando o ato de ler, o leitor -criativo e curioso- sempre pode resgatar o livro da categoria a que foi submetido”.

E, naturalmente, uma abertura completa aos livros. Segue uma afirmação onde o autor abre sua alma de leitor: “Não há livros nos que não tenha encontrado algo interessante. Trago livros para minha casa, com escusas de exaustividade, de raridade, de vaga erudição. Mas sei que, no fundo, o motivo para conservar esses livros é uma voluptuosa cobiça. Disfruto com o espetáculo, vendo as estantes abarrotadas. Compraz-me saber que estou rodeado por algo que é como um inventário da minha vida e me dá indícios do meu futuro. Gosto de descobrir em volumes quase esquecidos, os traços do leitor que em outro tempo fui: frases sublinhadas, passagens de ônibus, pedaços de papel com nomes e números, até uma data na contracapa do livro que me fazem retornar ao lugar onde o li por vez primeira. Sei que algo morre quando renuncio aos meus livros. Agora, com o passar do tempo, minha memória lembra cada vez pior. E quanto pior é o estado da minha memória maior é o meu desejo de proteger este armazém do que já li, esta coleção de texturas, vozes, perfumes. Sou um amante ciumento do passado”.

Afinal, como é preciso ler? Novamente Manguel, em confidência, nos transmite a necessária liberdade de espírito que requer a leitura: “Livro e leitor se convertem numa unidade. Somos o que lemos. Lemos para descobrir o final da história. Lemos sem afã de o alcançar, por amor a própria leitura. Lemos minuciosamente, como quem segue uma pista, esquecidos do que nos rodeia; lemos com desprezo, com admiração, com negligência, com anseios. Lemos distraidamente, pulando páginas. Lemos com lufadas de deleite. Lemos generosamente, encontrando desculpas para o texto, preenchendo vazios, corrigindo faltas. Lemos contendo a respiração…. e como se de repente tivéssemos recuperado uma lembrança saída do mais profundo de nós mesmos. E nos fazemos velhos e sábios”

Sobra entre as minhas anotações um último item que deixo propositadamente para o final. É uma passagem emocionante onde se relata como Borges, já cego, é nomeado diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires. A nomeação cristaliza num poema, que copio em espanhol porque, por respeito, não quero nem me atrevo a traduzir. Escreve Borges:

“Nadie rebaje a lágrimas o reproche

esta declaración de la maestría

de Dios, que con magnífica ironía

me dio a la vez los libros y la noche”.

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