Sentimentos e aprendizado são as bases de reflexão

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Os sentimentos são modalidades, ou modificadores dos estados de consciência, mas não conteúdo desses estados. A chuva que para alguns inspira poesia, para outros, que estão se molhando em baixo dela, provoca irritabilidade. A chuva é a mesma, o índice pluviométrico não varia um milímetro, mas os resultados subjetivos são completamente diferentes. Analisado com objetividade o fenômeno é único, e os sentimentos –de inspiração poética ou irritação- em nada afetam o fato em si. Do ponto de vista objetivo os sentimentos não são nada, mas –e aqui está o ponto de inflexão- do ponto de vista subjetivo, os sentimentos são tudo. É fácil estabelecer, no processo de aprendizado, uma relação entre a inteligência e a vontade com os conteúdos dos âmbitos cognitivos e o desenvolvimento de habilidades psicodinâmicas. Mas, qual é o papel que cabe aos sentimentos no processo de aprendizado? Como é que influenciam e o que determinam? Se afinal, aprendizado é aquisição de conhecimentos e aplicação prática em habilidades qual seria a função dos sentimentos e a reclamada importância da educação da afetividade? Na verdade a pergunta é mais retórica do que real. Todos sabemos, porque o comprovamos inúmeras vezes nos outros e de modo convincente em nós mesmos, que o progresso formativo não vem determinado apenas pelo que se conhece e pelo que se faz, mas pelo modo como se conhece e como se executa. Os sentimentos promovem uma ponte entre o que se conhece – a idéia, o conceito, situado no âmbito do cognitivo – e o que se quer, o que se executa, situado no âmbito da vontade. É experiência universal que não basta saber as coisas para executá-las, mas é preciso querer fazê-lo, e esse querer vai além da simples imposição da vontade. É uma questão de motivação. Os sentimentos, de algum modo, personalizam o conhecer, revestem o conhecimento com roupagem pessoal, e facilitam o querer –a execução- porque são a base da motivação. Uma coisa são as idéias e conceitos e outra é o que são as idéias para mim, qual é o “sabor” que essas idéias têm ao paladar afetivo. É justamente no âmbito afetivo onde o personalismo se impõe como condição eficaz de aprendizado e assimilação de atitudes. Explicamos. Não deve haver muita diferença em expor os conceitos da física quântica, da astronomia, ou da fisiopatologia do câncer gástrico de modo objetivo ou levando em conta os sentimentos, que dificilmente modificarão as informações científicas. Mas quando se trata de promover atitudes, tomar decisões, provocar a reflexão, estimular a conduta ética, construir, enfim, a personalidade, não é em absoluto equivalente enunciar os princípios do bem agir –a modo de manual de boas maneiras- ou levar em consideração “o sabor desses princípios” e tentar torna-los palatáveis. Aqui pode se encontrar o fracasso de tantas tentativas de “ética por atacado”, “cursos intensivos de final de semana”, ou mesmo a pouca eficácia dos códigos de ética de muitas profissões: falta-lhes “sabor”, e sobram-lhes conceitos e regras que, por outro lado, são amplamente conhecidas. Se não se praticam não é por desconhecimento, mas por falta de motivação. Não posso evitar anotar rapidamente uma lembrança pessoal que ilustra esta discussão. Faz anos, a mãe de um dos meus alunos –hoje é um jovem e competente médico- aproximou-se e me disse: “Gostaria de agradecer o que o senhor faz por meu filho e por estes jovens estudantes”. Agradeci, sorri, e com absoluta convicção respondi: “Se conseguimos que eles não esqueçam o que aprenderam com a mãe deles, já será um resultado excelente”. Hoje, passados quase dez anos, não mudei de opinião; é mais, estou absolutamente convencido do que disse a essa boa senhora. Os sentimentos são, pois, como o tempero que facilita a ingestão do alimento, conferindo um toque especial e personalíssimo que faz do comer –por seguir a metáfora- algo que vai muito além da simples nutrição. E os temperos – que implica elaboração de molhos, condimentos e muita arte- devem ser preparados com alma de artista. A educação da afetividade requer arte de quem educa, criatividade para adaptar-se às necessidades de cada um, ao gosto de cada paladar –como fazem as mães e, nem dizer, ás avós- e que conquista a vontade, a nutre, e estimula para que cada um de o melhor de si. A afetividade modula o conhecimento dando-lhe um toque pessoal, como um prisma que amplifica, focaliza, dá zoom, destaca ou mesmo deforma a rigorosa objetividade dos conceitos e das idéias. Deve-se esperar de quem pretende educar as emoções que entre em sintonia com todo esse mundo subjetivo, que é afinal criação e arte.O cinema faz refletir, as cenas são verdadeiros questionadores. Lembremos do Resgate do Soldado Ryan. Tom Hanks, o capitão, está morrendo. O soldado Ryan inclina-se sobre ele. E o capitão apenas lhe diz; “James, faça por merecer”. 40 anos depois, James Ryan comparece ao cemitério acompanhado da sua família: filhos e netos. Esse é o seu curriculum vitae, o que ele andou fazendo nestes anos. E vem prestar contas: “Todos os dias penso no que você me disse aquele dia na ponte. Procurei viver a minha vida do melhor modo possível. Espero que pelo menos diante dos teus olhos eu tenha ganho o que todos vocês fizeram por mim”. E, não satisfeito, procura a avaliação doméstica da sua vida, de que fez por merecer, e convoca a sua mulher e lhe diz; “Diga que a minha vida prestou para algo, que tive uma vida digna”. O capitão –que era na vida civil um professor- educou James Ryan com essa simples frase – “faz por merecer”- e com o seu exemplo de vida. Para qualquer um que medite nesse contexto, baste lembrar-lhe que faça por merecer, para que tudo venha à tona na cabeça e no coração.

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